“Vi caras de 38 anos puxando a fila no Milan”

Jogador Ricardo Oliveira revela raízes mineiras e garante fôlego e motivação de sobra para os desafios no Atlético

Cristiano Martins / Frederico Ribeiro
Hoje em Dia - Belo Horizonte
05/03/2018 às 19:14.
Atualizado em 03/11/2021 às 01:42
 (FLÁVIO TAVARES)

(FLÁVIO TAVARES)

As cicatrizes nos joelhos não deixam dúvidas de que Ricardo Oliveira já viveu de quase tudo na carreira. Da favela Zaki Narchi, em São Paulo, ao sucesso na Europa, passando pela idolatria nos Emirados Árabes e por diversas convocações para a Seleção Brasileira, entre 2004 e 2016.

Aos 37 anos, o atacante decidiu encarar um novo desafio e aceitou a proposta do Atlético “com o coração escancarado”, mesmo não sendo a melhor em termos financeiros. Uma das razões foi a vontade de respirar novos ares longe do futebol paulista, e a escolha acabou sendo pela terra natal do pai.
 
Você deixa o Santos, com o qual era muito identificado, para iniciar uma história nova em BH. Como foi essa mudança?
Minha adaptação está sendo ótima. Vim com o coração escancarado, com muita alegria e disposição para esse desafio. ‘Mas um desafio aos 37 anos?’ É isso que me move. Não consigo ficar onde já esteja cômodo, onde não tenha mais aquele sangue no olho. Eu nunca funcionei assim. 
 
É por isso que aceitou um contrato menor, com bônus por produtividade?
É isso. Não tenho problema nenhum em fazer um contrato como fiz no Santos, curtinho, só para o Campeonato Paulista. Depois que me provei, fiz um contrato melhor. Fui artilheiro do Estadual e do Brasileiro, e voltei para a Seleção com 35 anos. Sou assim, gosto de me desafiar e me superar. E estar num lugar onde você é querido te faz bem. Tenho raízes mineiras, não sei se vocês sabem… Meu pai era de Guaxupé, e estou tendo a oportunidade de trabalhar aqui pela primeira vez. 
 
Recebeu propostas financeiras melhores?
Sim, tive propostas do Brasil, de outros clubes grandes. Mas foi uma decisão familiar, não foi só minha. Entendemos que era o momento de sair de São Paulo, e confesso que ter o calor da torcida do Atlético ao meu lado me incentivou bastante. Estou aqui de todo o coração, com a minha família, sem nada que me prenda a outro lugar. 
 
Você é pastor, de fato? Como lida com isso paralelamente ao futebol?
Eu separo as coisas. A minha profissão é a minha vida. Só que também tenho o meu ministério, pelo qual sou apaixonado. Faço isso há 17 anos, até nos Emirados Árabes, onde fundamos uma igreja missionária. Eu nunca vou negar a minha fé. Então exerço, sim. Claro que não em período integral.
 
O que acha de brincadeiras como “time que não bebe não ganha”?
Tem muitas. Mas aí você pega outros times, só de caras que vão para a gandaia… Coloca na balança e me mostra se esse ganhou mais do que aquele. Ganhou um, dois? Então é preconceito, não tem relação nenhuma. 
 
Já aconteceu de um técnico proibir culto no clube? Como lidou com isso?
Já teve. Olha, eu sou submisso a toda autoridade instituída debaixo do céu. Se o meu treinador, meu diretor ou alguém que está acima de mim falar ‘não queremos mais reunião’, não tem reunião. Não tem reunião. Mas sabe o que acontece? Quando a bola entra, não tem problema nenhum em fazer estudo bíblico …
 
Você já disse que não sente o peso da idade. Quantos anos você ‘se daria’?
É difícil falar. O que posso dizer é que não perco nenhum treino, nenhum trabalho, e que os meus testes de força e de percentual de gordura são alguns dos melhores. Isso é resultado de disciplina. O maior investimento que o atleta pode fazer é em si mesmo. Alguns meninos sobem para o time profissional, renovam contrato, vão lá e compram um baita carro. Isso não é investir. Porque amanhã, se essa máquina aqui não funcionar (aponta para o próprio corpo), o resto vai acabar. E as pessoas não vão olhar se você tem 17, 27 ou 37 anos se der bons resultados lá dentro. 

Se pudesse ‘corrigir’ um capítulo na carreira, seria a passagem sem protagonismo no Milan?
Não, porque não dependeu de mim, foram coisas extracampo (sequestro da irmã, em São Paulo), e eu não tive o que fazer. Mas o Milan foi um marco na minha trajetória. Porque cheguei lá e vi caras de 38 anos puxando a fila (Paolo Maldini). Eu já era disciplinado, mas eles me inspiraram a me esforçar ainda mais. Se estou jogando até hoje, devo a esses caras. E, claro, foi onde conquistei a Champions League, troféu que levo orgulho. 
 
Zaki Narchi e Carandiru. O que essas palavras representam para você?
Raízes. Foi onde crescei e consegui forjar o meu caráter nas dificuldades. Lidei com pessoas sensacionais ali na favela, apesar da violência e de influências muitas vezes negativas. É possível você sair de um lugar que ninguém olha, onde ninguém quer pisar, e mostrar o outro lado disso. 
 
No outro oposto, foi ídolo nos milionários Emirados. É verdade que se tornou amigo do Sheik?
Exato. Até hoje tenho contato. Não só com os sheiks, mas com jogadores locais e pessoas que moram lá.   
 
Como foram os encontros como o Diego Maradona naquele período?
Tem foto minha com ele. Eu estava no Al Jazira, e o Maradona quis me levar para o time dele (Al Wasl) na época. 
 
Para terminar, qual é o seu gol mais bonito?
Tem um gol contra o Flamengo no Canindé, que garantiu a minha primeira convocação para a Seleção Brasileira. 

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