Dez anos sem Darcy Ribeiro

Jornal O Norte
16/02/2007 às 20:34.
Atualizado em 15/11/2021 às 07:58

Em O Povo Brasileiro, o antropólogo Darcy Ribeiro (1913-1997) investiga a formação do nosso povo e responde à questão Quem são os brasileiros?

Jerúsia Arruda


Repórter


jerusia@onorte.net

Neste mês de fevereiro completam dez anos que o Brasil perdeu um de seus filhos mais ilustres: Darcy Ribeiro. Para homenagear o antropólogo, sociólogo, historiador e professor montes-clarense, filho de Reginaldo Ribeiro dos Santos e da Mestra Fininha, D. Josephina Augusta da Silveira Ribeiro, o Cinema Comentado deste sábado, 17 de fevereiro, exibe o documentário O Povo Brasileiro, que enfoca os ideais de Darcy Ribeiro, com depoimentos de grandes nomes da MPB.

O filme baseado em livro homônimo de Darcy é dividido em dez episódios de 26 minutos: Matriz Lusa, Matriz Afro, Encontros e Desencontros, Brasil Crioulo, Brasil Sertanejo, Brasil Caipira, Brasil Caboclo, Brasis Sulinos e Invenção do Brasil  tem como atores Chico Buarque, Gilberto Gil, Antônio Cândido, Aziz Ab´Saber, Hermano Vianna, Paulo Vanzolini, Luiz Melodia, Tom Zé, entre outras personalidades, que falam sobre a diversidade cultural do povo brasileiro.

Tom Zé narra trechos de poemas de Fernando Pessoa e Gil canta Prece, no episódio Matriz Lusa e, também, canta e lê poemas africanos recriados pelo antropólogo Antônio Risério no Matriz Afro. Luiz Melodia dá sua visão da negritude em Brasil Crioulo e Paulo Vanzolini participa de Brasil Sertanejo e Caboclo. No decorrer dos episódios Chico Buarque lê trechos de O Povo Brasileiro.

O filme é uma recriação da narrativa de Darcy Ribeiro e discute a formação dos brasileiros, sua origem mestiça e a singularidade do sincretismo cultural que dela resultou.

Com imagens captadas em todo o Brasil, material de arquivo raro e depoimentos inusitados, O Povo Brasileiro tem direção de Isa Grinspum Ferraz e co-produção da Superfilmes, TV Cultura, GNT e Fundar – Fundação Darcy Ribeiro e é indispensável para educadores, estudantes e todos os interessados em conhecer um pouco mais sobre o Brasil.

O Cinema Comentado acontece às 19h deste sábado, na sala Geraldo Freire, ao lado da Câmara Municipal. Após a exibição do documentário, continua a mostra Glauber Rocha com o filme Terra em Transe. Ao final da sessão tem bate-papo com o jornalista Elpídio Rocha. A entrada é de graça.

UM BRASILEIRO CHAMADO DARCY RIBEIRO

Nascido em 26 de outubro de 1922, mesmo ano da primeira Semana de Arte Moderna,  em Montes Claros, norte de Minas Gerais, num clima bucólico, rodeado de arvoredos, plantações, carros de bois e fazendas, Darcy Ribeiro foi o segundo de três filhos, e perdeu o pai aos três anos. Sobre isso diz: - Felizmente, pois não fui domesticado. Talvez por isso não tenha deixado filhos.

- Não tive a quem domesticar, dizia.

Darcy se formou em Antropologia em São Paulo (1946) e dedicou seus primeiros anos de vida profissional ao estudo dos índios do Pantanal, do Brasil Central e da Amazônia (1946/1956). Neste período fundou o Museu do Índio e estabeleceu os princípios ecológicos da criação do Parque Indígena do Xingu. Escreveu uma vasta obra etnográfica e de defesa da causa indígena. Elaborou para a Unesco um estudo do impacto da civilização sobre os grupos indígenas brasileiros no Século XX e colaborou com a Organização Internacional do Trabalho (1954) na preparação de um manual sobre os povos aborígines de todo o mundo

Nos anos seguintes, dedicou-se à educação primária e superior. Criou a Universidade de Brasília, da qual foi o primeiro Reitor, foi ministro da Educação, no Gabinete Hermes Lima. Mais tarde, foi ministro-Chefe da Casa Civil de João Goulart e coordenava a implantação das reformas estruturais quando sucedeu o golpe militar de 64, que o lançou no exílio.

A propagação de suas idéias rompeu fronteiras. Viveu em vários países da América Latina onde conduziu programas de reforma universitária, com base nas idéias que defende em A Universidade Necessária. Foi assessor do presidente Salvador Allende, no Chile, e de Velasco Alvarado, no Peru. Escreveu neste período os cinco volumes de seus Estudos de Antropologia da Civilização (O Processo Civilizatório, As Américas e a Civilização, O Dilema da América Latina, Os Brasileiros: 1. Teoria do Brasil e Os Índios e a Civilização), que têm 96 edições em diversas línguas. Neles propõe uma teoria explicativa das causas do desenvolvimento desigual dos povos americanos.

Retornando ao Brasil, em 1976, voltou a dedicar-se à educação e à política. Elegeu-se vice-governador do Estado do Rio de Janeiro (1982), foi secretário da Cultura e coordenador do Programa Especial de Educação, com o encargo de implantar 500 CIEPs, que são grandes escolas de turno completo para mil crianças e adolescentes. Criou, então, a Biblioteca Pública Estadual, a Casa França-Brasil, a Casa Laura Alvim, o Centro Infantil de Cultura de Ipanema e o Sambódromo, em que colocou 200 salas de aula para fazê-lo funcionar também como uma enorme escola primária.

Contava entre suas façanhas maiores haver contribuído para o tombamento de 96 quilômetros de belíssimas praias e encostas, além de mais de mil casas do Rio antigo. Colaborou na criação do Memorial da América Latina, edificado em São Paulo com projeto de Oscar Niemeyer. Gravou um disco na série mexicana Vozes da América. Recebeu títulos de Doutor Honoris Causa da Sorbonne, da Universidade de Copenhague, da Universidade da República do Uruguai, da Universidade Central da Venezuela

Elegeu-se Senador da República (1991), função que exerceu defendendo vários projetos, entre eles uma lei de trânsito para proteger os pedestres contra a selvageria dos motoristas; uma lei dos transplantes que, invertendo as regras vigentes, torna possível usar órgãos dos mortos para salvar os vivos; uma lei contra o uso vicioso da cola de sapateiro que envenena e mata milhares de crianças. Elaborou e fez aprovar no Senado e enviar à Câmara dos Deputados a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB, sancionada pelo Presidente da República em 20 de dezembro de 1996 como Lei Darcy Ribeiro. Publicou pelo Senado a revista Carta, com dezesseis números (1991/1996) onde os principais problemas do Brasil e do mundo são analisados e discutidos em artigos, conferências e notícias.

Entre 1991 e 1992, como Secretário Extraordinário de Programas Especiais do Rio de Janeiro, ocupou-se de completar a rede dos CIEPs e de criar um novo padrão de ensino médio, através dos Ginásios Públicos. Planejou e fundou, em Campos dos Goytcazes, no Rio de Janeiro, a Universidade Estadual do Norte Fluminense - UENF (1994), com a ambição de ser uma Universidade do Terceiro Milênio, onde assumiu o cargo de Chanceler. Durante a Conferência Mundial do Meio Ambiente - ECO 92 - realizada no Rio de Janeiro, em 1992, implantou o Parque Floresta da Pedra Branca, numa área de 12000 hectares, para se tornar a maior floresta urbana do mundo.

Ainda no exílio, começou a escrever os romances Maíra e O Mulo e, já no Brasil, escreveu dois outros: Utopia Selvagem e Migo. Publicou Aos Trancos e Barrancos, que é um balanço crítico da história brasileira de 1900 a 1980. Publicou, também, uma coletânea de ensaios insólitos: Sobre o Óbvio e um balanço de sua vida intelectual: Testemunho. Editou, junto com Berta G. Ribeiro, a Suma Etnológica Brasileira. Em 1992 publicou pela Biblioteca Ayacucho, em espanhol, e pela Editora Vozes, em português, A Fundação do Brasil, um compêndio de textos históricos dos séculos XVI e XVII, comentados por Carlos Moreira e precedidos de um longo ensaio analítico sobre os primórdios do Brasil. Neste mesmo ano, foi eleito membro da Academia Brasileira de Letras.

Em 1995 lançou O Povo Brasileiro, que encerra a coleção de seus Estudos de Antropologia da Civilização, além de uma compilação de seus discursos e ensaios intitulada O Brasil como Problema. Lançou, ainda, um livro para adolescentes, Noções de Coisas, com ilustrações de Ziraldo, que recebeu, em 1996, o Prêmio Malba Tahan de Melhor Livro Informativo, da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil.

Em 1996 publicou, pela Editora Companhia das Letras, seus Diários Índios, em que reproduz anotações que fez durante dois anos (1949/1951) de convívio e de estudo entre os índios Urubus-Kaapor, da Amazônia. Seu primeiro romance, Maíra, recebeu uma edição comemorativa de seus 20 anos. Ainda neste ano, recebe o Prêmio Interamericano de Educação Andrés Bello, concedido pela OEA a eminentes educadores das Américas.

Darcy Ribeiro faleceu em 17 de fevereiro de 1997. No seu último ano de vida, dedicou-se especialmente a organizar a Universidade Aberta do Brasil, com cursos de educação à distância, para funcionar a partir de 1997, e a Escola Normal Superior, para a formação de professores de 1º grau. Organizou a Fundação Darcy Ribeiro, instituída por ele em janeiro de 1996, com sede própria, localizada em sua antiga residência em Copacabana, com o objetivo de manter sua obra viva e elaborar projetos nas áreas educacional e cultural. Um de seus últimos projetos lançado publicamente, foi o Projeto Caboclo, destinado ao povo da floresta amazônica.

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