A Infância de Ivan no Cinema Comentado

Jornal O Norte
14/03/2008 às 10:24.
Atualizado em 15/11/2021 às 07:27

Márcia Braga


Colaboração para O NORTE


 


Prossegue no Cinema Comentado Cineclube a mostra Grandes Diretores do Cinema. Neste sábado, dia 15, o público assiste o trabalho de um dos maiores diretores russos, Andrei Tarkovski.

Durante a Segunda Guerra Mundial, Ivan é um garoto russo de 12 anos de idade que trabalha como espião. Por ser ainda uma criança, ele pode tranqüilamente cruzar as linhas alemãs sem ser percebido e, assim, conseguir informações privilegiadas para o exército soviético. Por sua coragem, três oficiais russos fazem de tudo para preservar a vida do garoto. Trabalho que marca a estréia em longa-metragem do jovem Andrei Tarkovski, A Infância de Ivan (1962) foi o grande vencedor do Leão de Ouro em Veneza, desbancando filmes dos consagrados Jean-Luc Godard, Stanley Kubrick e Pier Paolo Pasolini.

Na virada entre as décadas de 1950 e 60, diversas cinematografias começaram a ganhar prêmios em festivais e espaço no mercado internacional. Limitado pelas políticas culturais estalinistas, o cinema russo chama a atenção com “dramas de guerra” vistos, então, como líricos ou poéticos (“Balada do Soldado” e “Quando Voam as Cegonhas” são os mais conhecidos), que o tempo mostrou serem demasiado piegas e submissos aos ditames do “realismo socialista”. Escrito por Vladmir Bogomolov a partir de um conto de sua autoria, A Infância de Ivan poderia ter sido apenas mais um desses dramas, não houvesse o projeto sido entregue a um jovem cineasta que faria sua estréia em longa-metragem: Andrei Tarkovski. O filme não é um trabalho de todo autoral, mas o diretor já começa a impor sua marca e estilo pessoais.

A obra de Tarkovski é conhecida por seu caráter introspectivo e complexo, com questões humanistas e tentativas de entender o ser humano sempre em primeiro plano. O diretor subverte o padrão narrativo em favor da poesia e em detrimento da prosa, o que já rendeu a ele o rótulo de hermético. Problemas com a censura nos filmes “Andrei Rublev” (1966) e “Stalker” (1979), levaram o cineasta ao exílio: ele deixou seu país para viver em Paris e demonstrou sua recusa a qualquer tipo de influência e controle em filmes como “Nostalgia” e “O Sacrifício”.

É uma visão marcada pela desilusão que distingue A Infância de Ivan de seus congêneres no cinema russo da época. E já estão presentes elementos característicos das obras posteriores de Tarkovski: uma complexa interação homem-natureza; um mergulho, ainda que ligeiro, no processo mental do personagem (que viria a ser radicalizado em “Solaris”); o retorno onírico aos idílios do passado; e a visão da margem oposta do rio, ocupada pelos alemães, como representação do desconhecido a ser explorado.

Mesmo deixando sua marca principalmente nas cenas de sonho, Tarkovski controla muito bem as seqüências realistas, já apresentando, neste primeiro longa, completo domínio da narrativa. E demonstra seu gosto e talento para conceber imagens elaboradas com um virtuosismo que jamais se aparenta excessivo perante o conjunto. A Infância de Ivan é a marca inicial de um caminho próprio e ímpar no chamado “cinema de autor”, que coloca Tarkovski entre os maiores cineastas da história.

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